Brasil: Stablecoins no controle

Brasil: Stablecoins no controle

O cenário regulatório para ativos digitais na maior economia da América Latina acaba de passar por uma mudança radical que, na prática, encerra a era do Velho Oeste das criptomoedas. Com a publicação de um novo conjunto de resoluções, o Banco Central do Brasil finalizou um marco abrangente que redefine a forma como as criptomoedas, e especificamente as stablecoins, se encaixam no sistema financeiro nacional.

A principal mudança é a classificação das transações envolvendo ativos virtuais atrelados a moedas fiduciárias como operações de câmbio. Essa decisão força o setor de criptomoedas a sair da zona cinzenta da novidade digital e a entrar no mundo altamente regulamentado e com forte vigilância das finanças internacionais.

No cerne dessa transformação estão as Resoluções 519, 520 e 521, que, em conjunto, estabelecem as regras operacionais para uma categoria recém-criada de entidade licenciada, conhecida como Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (SPSAVs). Essas prestadoras de serviços de ativos virtuais não poderão mais operar como meras plataformas tecnológicas; agora, elas são obrigadas a aderir a padrões semelhantes aos dos bancos tradicionais e corretoras de câmbio. As regulamentações, que devem entrar em vigor integralmente em 2 de fevereiro de 2026, representam o ápice de um esforço de longa data do Banco Central para sanar as lacunas de conformidade que permitiram que as criptomoedas funcionassem como um sistema financeiro paralelo.

O componente de maior impacto dessa nova estrutura é a Resolução 521, que visa explicitamente as stablecoins. Ao categorizar a compra, venda ou troca de ativos atrelados a moedas fiduciárias como operações cambiais, o regulador reconhece uma realidade que já é óbvia para os participantes do mercado: para muitos brasileiros, as stablecoins são simplesmente um substituto digital para o dólar americano. De acordo com as novas regras, essas transações estarão sujeitas aos mesmos requisitos rigorosos de reporte, limitações de valor e escrutínio que uma transferência bancária tradicional para Nova York ou Londres. Isso cria um ônus operacional significativo para as corretoras, que agora devem atuar como intermediárias dos fluxos de capital, garantindo que cada dólar digital que entra ou sai do país seja contabilizado nas estatísticas da balança de pagamentos nacional.

Esse aperto no controle se estende significativamente à interface entre plataformas regulamentadas e carteiras de autocustódia. Embora o Banco Central não tenha chegado a proibir carteiras privadas — uma medida que seria tecnologicamente inviável —, impôs um conjunto rigoroso de requisitos de identificação para qualquer transferência intermediada por um provedor de serviços. Se um usuário deseja transferir fundos de uma corretora brasileira regulamentada para uma carteira de hardware pessoal, o provedor agora é obrigado a verificar a titularidade da carteira de destino e manter registros detalhados da origem e finalidade da transação. Isso, na prática, estende as obrigações de combate à lavagem de dinheiro e de transparência ao âmbito da autocustódia, fechando uma brecha que os reguladores acreditavam estar sendo usada para burlar os controles de capital e ocultar riqueza.

A justificativa por trás dessa abordagem rigorosa reside na enorme escala de adoção de stablecoins no Brasil. O presidente do Banco Central, GABRIEL GALÍPOLO, já destacou que aproximadamente 90% de toda a atividade com criptomoedas no país envolve stablecoins, que são usadas principalmente para pagamentos e liquidação, e não para especulação. Em uma economia com histórico de inflação e volatilidade cambial, o uso generalizado de dólares digitais representa um desafio à soberania monetária. Ao tratar esses ativos como moeda estrangeira, o governo visa coibir atividades ilícitas, prevenir a sonegação fiscal e garantir que a crescente criptoeconomia não prejudique a estabilidade do REAL brasileiro.

Para o setor, as implicações dessas regras são profundas. O custo da conformidade deverá disparar, provavelmente levando a uma onda de consolidação, na qual corretoras menores serão adquiridas ou forçadas a fechar as portas. A exigência de atender aos padrões bancários significa que apenas instituições bem capitalizadas conseguirão sobreviver nesse novo ambiente. Além disso, a regulamentação impõe um limite de cem mil dólares por transferência para transações envolvendo contrapartes estrangeiras não licenciadas, uma restrição que limita severamente a capacidade dos usuários brasileiros de acessar pools de liquidez globais sem passar por um gateway local totalmente compatível.

Em última análise, essas medidas sinalizam que o Brasil está passando de uma fase de experimentação para uma de supervisão integrada. A criação da licença SPSAV e a classificação das stablecoins como moeda estrangeira sugerem que o banco central vê as criptomoedas não como uma moda passageira, mas como um elemento permanente do ecossistema financeiro que precisa ser controlado. Embora isso proporcione a tão necessária segurança jurídica para os investidores institucionais, também significa que a natureza fluida e sem fronteiras das criptomoedas está sendo adaptada às fronteiras e à fricção do sistema financeiro tradicional.

À medida que o mercado se prepara para a entrada em vigor das exigências de reporte em maio de 2026, a mensagem de Brasília é clara: os ativos digitais são bem-vindos, mas devem seguir as mesmas regras do dinheiro que você tem no bolso.


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