Na EthCC desta semana, o cofundador da Ethereum, Vitalik Buterin, fez uma palestra instigante que foi direto ao cerne do propósito das criptomoedas. Ele argumentou apaixonadamente que a tecnologia blockchain não deve ser um fim em si mesma — os desenvolvedores devem se perguntar: “Vocês estão realmente aumentando a liberdade dos seus usuários?”
Buterin traçou um paralelo entre o espírito da internet inicial e o movimento blockchain atual. Na década de 1990, pioneiros como John Perry Barlow defendiam uma web aberta e sem restrições. Mas, à medida que a Web2 tomava forma, essas plataformas se transformaram em “jardins murados” — ecossistemas com curadoria e censura, controlados por algumas grandes empresas de tecnologia.
Buterin alertou que a Web3 deve evitar repetir essa trajetória. Fundadores com ideais revolucionários no início, mais tarde, tornaram-se aplicadores de políticas restritivas. Ele alertou os desenvolvedores para não caírem na mesma armadilha:
“Não basta ter criptografia elegante ou protocolos inteligentes. Construa com implicações éticas em mente. Pergunte sempre: você está tornando seus usuários mais livres?”
Seu apelo é que toda ferramenta de criptografia deveria ser medida por sua capacidade de libertar, não apenas por sua sofisticação técnica.
Este debate ecoa uma crescente divisão dentro da comunidade de criptomoedas. De um lado estão os cypherpunks — os primeiros defensores da privacidade, da resistência à censura e dos sistemas descentralizados. Do outro lado estão os chamados “suitcoiners” — participantes institucionais e proponentes apoiados por empresas que priorizam escala e lucro. Buterin claramente apoiou a primeira opção, instando a indústria a não abandonar seu DNA original, que prioriza a liberdade.
Além de ideais elevados, Buterin destacou ameaças concretas à descentralização genuína. Ele sinalizou vários perigos:
- Backdoors de camada 2 atualizáveis: contratos que podem ser modificados por partes centralizadas, minando a imutabilidade.
- Front-ends de dApp frágeis: quando as interfaces são hospedadas centralmente, uma única remoção ou alteração pode prejudicar o acesso do usuário.
- Leilões de tokens e sistemas de identidade: Mecanismos aparentemente inovadores, mas potencialmente coercitivos, que podem centralizar o poder inadvertidamente ou expor os usuários a vigilância indevida.
Ele incentivou os desenvolvedores a avaliarem os projetos com testes práticos: se sua empresa desaparecesse amanhã, os usuários ainda teriam controle? E o sistema resistiria a ataques internos? Esses cenários de “desistir” e “ataque interno” ajudam a determinar se a descentralização é genuína ou meramente promocional.
A privacidade foi outro tema fortemente enfatizado. Buterin argumentou que a privacidade não deve ser uma reflexão secundária ou uma caixa de seleção — ela deve ser projetada desde o início. Medidas parciais não serão suficientes; os sistemas precisam de salvaguardas de privacidade rigorosas e integradas.
Essa perspectiva não é nova para Buterin. Em abril, ele escreveu um ensaio pessoal intitulado “Por que eu apoio a privacidade”, destacando razões morais e tecnológicas para incorporar a privacidade à arquitetura central do Ethereum, especialmente em uma era de vigilância por IA e controle centralizado de dados.
O discurso de Buterin também reconheceu a evolução mais ampla das criptomoedas. À medida que o setor amadurece, ele enfrenta o desafio de equilibrar a descentralização com o escrutínio regulatório e a viabilidade comercial. Buterin enfatizou:
“O crescimento pelo crescimento não é inerentemente bom. O verdadeiro progresso decorre da construção do tipo certo de sistemas. Precisamos de uma mudança filosófica.”
Essa mudança filosófica significa reorientar o empoderamento humano em detrimento de tecnologias chamativas ou ganhos de curto prazo.
Então, o que isso significa em termos práticos?
- Priorizar a implantação imutável de contratos inteligentes e interfaces de usuário para que, mesmo que as equipes se dissolvam, os ativos permaneçam seguros.
- Rejeitar primitivas criptográficas sem implicações no mundo real — pergunte como elas atendem à liberdade do usuário antes de adicioná-las.
- Tornar a privacidade fundamental: não a ofereça como um recurso adicional ou premium.
- Incorporar testes de descentralização aos roteiros de projetos, garantindo resiliência nos piores cenários.
Sua mensagem final foi clara e urgente: a próxima onda de inovação em blockchain deve fazer esta pergunta a todo momento: “Estamos realmente libertando as pessoas?”