O conceito de Estado-nação, com quase quatro séculos de existência, está se tornando rapidamente obsoleto diante das realidades digitais modernas, segundo Jarrad Hope, cofundador do projeto LOGOS e autor do livro “Adeus à Vestfália: Criptossoberania e Governança Pós-Estado-Nação”. Hope argumenta que o modelo de Vestfália, estabelecido em 1648 para definir a soberania com base em fronteiras geográficas fixas, está mal preparado para lidar com um mundo onde a interação humana e o valor econômico migraram em grande parte para a internet. Ele destaca que o Estado-nação moderno é anterior a descobertas científicas fundamentais como o oxigênio e a gravidade, e ainda assim continuamos a depender dessa estrutura arcaica para organizar sociedades globais complexas.
O projeto LOGOS prevê uma mudança em direção a “estados em rede”, um termo popularizado nos últimos anos para descrever comunidades soberanas que se formam primeiro na nuvem antes de adquirirem território físico. Ao contrário das nações tradicionais, unidas por terra e nascimento, essas entidades emergentes são definidas por associação voluntária e valores compartilhados. Hope afirma que as ferramentas para construir essas novas sociedades já existem na forma da tecnologia blockchain.
Ele destaca pilares técnicos específicos necessários para essa transição, como moedas descentralizadas resistentes à inflação que protegem a riqueza de políticas monetárias inadequadas e registros imutáveis que fornecem um registro inviolável da verdade, sem intermediários centrais passíveis de corrupção. Além disso, o uso de contratos inteligentes pode automatizar acordos legais e financeiros, substituindo efetivamente a necessidade de um judiciário tradicional em questões cíveis, enquanto as provas de conhecimento zero oferecem uma maneira de manter a privacidade em um mundo cada vez mais vigiado.

A busca por essas alternativas geralmente surge da insatisfação com a opacidade dos sistemas de governança atuais. Hope observa que os modelos tradicionais exigem confiança cega em burocratas não eleitos e representantes distantes. Em contraste, a governança baseada em blockchain restringe o “domínio da confiança” ao se basear em código aberto e infraestrutura transparente. Esse sentimento está impulsionando a “emergência gradual” de estados em rede, um movimento profundamente enraizado no espírito cypherpunk, que prioriza a descentralização, a igualdade de acesso e o direito à privacidade. O objetivo é criar sistemas onde a governança seja um serviço escolhido, e não uma condição inata.
No entanto, o caminho para a soberania digital é repleto de experimentos fracassados. A tentativa histórica mais notável foi a BITNATION, lançada em 2014 com o ambicioso objetivo de criar uma “nação voluntária sem fronteiras”. A BITNATION foi pioneira em conceitos como certidões de casamento e registros de nascimento “faça você mesmo” na blockchain, tentando provar que os serviços estatais poderiam ser desvinculados do próprio Estado.
Apesar da promessa inicial e da atenção da mídia, o projeto acabou tendo dificuldades para alcançar massa crítica e autonomia significativa, servindo como um alerta de que a tecnologia por si só é insuficiente sem um motor social e econômico robusto para sustentar uma população. Esses fracassos iniciais destacam a imensa dificuldade de construir uma nova sociedade do zero, competindo com potências estabelecidas.
O maior obstáculo para esse novo paradigma é a inevitável resistência dos Estados-nação consolidados. Hope e outros especialistas do setor alertam que as potências tradicionais não cederão seu monopólio sobre a governança de bom grado. Já estamos testemunhando escaramuças iniciais nesse conflito, como a Lei de Segurança Online do Reino Unido, que críticos como Hope citam como um exemplo primordial de abuso de poder centralizado. Ao impor um controle rígido sobre a infraestrutura digital e enfraquecer os padrões de criptografia sob o pretexto de segurança, essa legislação cria um aparato de vigilância antitético aos princípios de um Estado em rede.

Essa tensão sugere um futuro em que o atrito entre os mundos digital e físico se intensifica. Executivos do setor preveem que os Estados estabelecidos empregarão um amplo espectro de contramedidas para suprimir a concorrência. Isso pode variar desde litígios regulatórios agressivos, semelhantes às recentes repressões contra organizações autônomas descentralizadas (DAOs), até bloqueios financeiros que cortam o acesso aos sistemas bancários. Em cenários extremos, especialistas chegam a teorizar o uso da força militar para impedir que os estados em rede assegurem território físico ou afirmem soberania genuína.
À medida que essas comunidades digitais crescem em riqueza e influência, a “guerra fria” entre o Estado-nação geograficamente delimitado e o Estado em rede nativo da nuvem provavelmente se tornará o conflito geopolítico definidor das próximas décadas.
